sexta-feira, 27 de março de 2015

o jardim das dores.


antes que ela partisse, preparou-lhe um adorno para a cabeça:
uma pequena coroa de rosas.

ainda estava chorosa,
e no momento em que foi coroada,
as pétalas murcharam e se misturaram no ouro dos cabelos.

“seu estúpido, você as matou!”

Rainha de si,
arrumou as malas e saiu pela porta,
pisoteando o jardim.

Servo dela, pôs-se a regar as mortas
com sua vida.

Quando já velha, regressou à casa,
de malas mofadas.

E o jardim pôs-se a vibrar,
rebrotando cores,

recobrando flores.

anestésico;

Querida Jane Junkie,

Depois de me roubar as palavras,
não contente em tirar a coisa mais bonita
e mais valiosa que eu possuía,
ele me arrancou com as garras grossas
o coração pela boca,
estrangulou as artérias,
pisoteou e torceu como um pano de chão velho e sujo
até que não sobrasse nem mais uma gota de vida.

me currou e não me ofereceu um cigarro de alívio.
me estapeou a cara quando eu esperava pela carícia.
valsou sobre meus ossos, partindo-os ao meio

sem anestésico.


alguns homens carregam nos olhos estacas afiadas
sempre procurando o centro de nosso peito.




se não fosse a lembrança de seu rosto, querida Jane
eu provavelmente já teria esquecido o meu próprio.

quinta-feira, 19 de março de 2015

borboletas

as borboletas que outrora viveram ali
não se agitaram. 

senti a estranheza
da falta do gelo nos lábios,
do farfalhar de alegrias do encontro com a primavera,
do cheiro de capim molhado entre os dedos.

as borboletas que outrora viveram ali
não se anteciparam a subir pela garganta,
nem escancararam a boca abrindo espaço para ir de encontro com seu curto tempo de liberdade.
permaneceram imóveis como se ainda fosse inverno. 

não se atiçaram com a rosa ofertada,
nem salivaram em beber o mel. 

as borboletas que outrora viveram ali
deixaram ovos que desabrocharam em novas lagartas
mas, mesmo famintas, ignoraram a comida ofertada.

Esperam fazer-se lindas à uma nova temporada de flores.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Você passa.
Pode até me cuspir, 
levar tudo o que compramos juntos,
reclamar as contas, roubar meus livros,
mas minha poesia fica! 

Tire suas mãos dela.

terça-feira, 3 de março de 2015

Querida Janie Junkie;

fui tomado por um desejo desesperador de lhe beijar a face,
de me aquecer em teu colo,
de me esquecer em teus olhos,
de ter as lágrimas limpas pelas pontas de teus dedos.

Quando foi que permiti que outras bocas
dissessem por mim o que sinto?
Quando foi que me esqueci no tempo por amor?
Quando comecei a deixar o veneno correr em minhas veias?

Costumava escrever mais.
Costumava mandar cartas à todos;
pra lua, pros pássaros.
Escrevia para lembrar à mim mesmo que eu existia.

Escrevo-lhe agora, porque sei que em ti eu ainda existo.

Isso não é uma carta de amor,
é um grito de sobrevivência.

teu sempre, Leeray.